Sou um grande sonhador…! Desses que retiram os pés do chão e se põem a perambular por um mundo perfeito, arquitetado nas profundezas da sua imaginação. Às vezes, sinto-me um desses malucos, com cara de outro mundo que, de vez em quando, aparecem à nossa frente: viajando de carona em corcéis de ilusão e se embrenhando numas vidas que só existem nas suas mentes.

Muito cedo aprendi que, para poder levar uma generosa fatia, ao final da festa, seria necessário sonhar com um grande bolo. Por que não? E por que não acreditar que até com o bolo inteiro eu pudesse ficar? Pode ser apenas uma questão de buscar, de tentar, de me determinar…

Sonhar é retirar o melhor do seu conhecimento e da sua imaginação. É uma vida dourada arquitetar. É até o passado manipular. Tudo de bom, tudo de melhor! Riscar do projeto o que tem de pior. É recusar as migalhas da vida. Dos maiores dotes querer desfrutar – mesmo sem considerar o que as pessoas vão pensar e falar.

Quero viver muitos anos. Mas, se não os tiver no número e nas condições com que sonho, que os concedidos me sejam floridos e muito bem vividos – e que até enganar a morte seja permitido, ao deixar em cada canto, por onde eu passar, um pedaço de mim, dela escondido, para que muitos dos que ficarem me possam lembrar.

Quero acesso total ao conhecimento. De tudo, da vida, quero saber.

Quero ser livre. Poder sempre decidir o que fazer, aonde ir, a hora de acordar, a hora de dormir… A hora de chegar e a hora de partir.  

Quero a melhor mulher: a melhor companheira, a melhor parceira…A melhor amante, a mulher mais tolerante, a mais ousada…Aquela que de mim jamais se canse – seja de noite, seja de tarde, seja de dia…Seja até de madrugada. Que me seja permitido desfrutar certas coisas que se dizem proibidas.

Quero a melhor família – mesmo que eu tenha de fazer do meu lar uma ilha. Não quero morrer sem ver implantado o projeto de vida do meu filho – por mim mesmo preparado.

Quero os melhores amigos, mesmo que sejam muito resumidos. Contentar-me-ei em contabilizá-los usando os dedos de uma única mão. Não precisa que sejam tão sábios, tão ricos… Só precisam estar comigo. Que não tenham receios de me alertarem quando errado eu estiver, que não se preocupem apenas em bater palmas ao que eu faça, quando mais lhes convier. Que não sejam inimigos disfarçados, que estejam – simplesmente – do meu lado. Nada de faz-de-conta, nada de conveniências, nada de falsa inocência…

 Sonhar é conseguir se alimentar só de coisas boas: projetadas ou já realizadas. É antever… É reviver. É buscar, no horizonte, o que tem nosso querer. É ver lá na frente, é enxergar lá atrás. É sorrir com o que não é. É, no tempo, retornar sem engatar uma marcha à ré. É trazer à minha mão tudo aquilo que eu quiser, só pela imaginação. É fugir da realidade que não traz felicidade e buscar no irreal o que quer o nosso ideal.

Um grande sonhador é um exímio viajante. Contraria a natureza, passeando num futuro inspirado num passado que não quer ser sepultado. Olha para o hoje, mas vê o ontem e, principalmente, já pensa que conhece o amanhã.

Sei que desse pedestal, algum dia, vou descer. Também sei que, cedo ou tarde, eu vou ter que me abraçar a essa dura realidade: a de ver o aqui, o agora e sofrer nesse presente antes de eu ir embora. Mas enquanto da verdade vou podendo me esquivar, de uma vida que não veio vou me pondo a degustar e vou colhendo velhas glórias para de novo festejar.