O primeiro amor – Um texto vencedor de concurso

por nov 4, 2021

Quem não se lembra do primeiro amor?

Quem não se lembra daquele sabe-se lá o quê, saído sabe-se lá de onde, que nos provocava aquela gastura nas entranhas, aquela dificuldade dos diabos de falar e até de respirar?

Quem não se lembra daqueles primeiros olhares, daqueles veres disfarçados de não veres, mas torcendo para que eles fossem notados e correspondidos…?

Quem não se lembra daquela sensação de estar parecendo um cachorro faminto ao sabor de um conflito entre uma contida fome de carinho e uma vontade quase incontrolável de devorar, com os próprios olhos, aquele prêmio que se lhe desfilava à frente?

Ah… Quem é que consegue esquecer-se daqueles sorrisos amarelos de quem estava morrendo de vergonha…? Daquela ansiedade danada ante a possibilidade do primeiro encontro?

E dá para esquecer o primeiro encontro? Como é que conseguiríamos esquecer daquele estranho balbuciar de quem não conseguia dominar o próprio verbo? Daquele calor que nos subia pelas orelhas e daquela sensação de estar sob a mira de todos os olhares do mundo?

Só de lembrar, ainda sinto aqueles calafrios decorrentes daquela sensação desgraçada de quem parecia estar tentando se apoderar de algo que não lhe pertencia…

Mas… Quem não lembra mesmo daquela miserável timidez, daquela intempestiva falta de assunto…? Daquele pavor de cometer deslizes, do bambear das pernas que quase lhe impedia de ficar de pé e daquele pavor de não corresponder às expectativas…? Quantos prejuízos mesmo já nos teria causado aquela velha sensação de inferioridade que a gente chama de timidez?

Quem não se lembra daquele relógio moroso depois do almoço, das lerdas tardes e da inexplicável velocidade das horas noturnas quando na companhia da bem amada, do bem amado…?

Quem não se lembra dos sensibilizantes caíres de noites, que prenunciavam aquelas inesquecíveis trocas de carícias? Ah… Quão gostoso era viver aqueles momentos de espera…!

Dá para esquecer da primeira chuva sob a ineficiente proteção de um cajueiro desfolhado? Quem iria se preocupar com pingos d’água descendo-lhe pela testa num clima daqueles…? E do primeiro ocaso, deixando-se devorar por uma vermelhidão de um céu que parecia derramar lágrimas de sangue ante a morte de um dia ensolarado?

Como riscar da mente aqueles aconchegos sobre os tentáculos de um céu estrelado? Não dá para esquecer da primeira estrela cadente, do aviãozinho que riscava o céu numa tarde ensolarada, das primeiras preces conjuntas apoiados em inocentes crendices… Definitivamente, não dá para esquecer da primeira madrugada ao sabor de uma brisa convidativa a um abraço fatal.

Como não sorrir, agora, ante as lembranças das bobagens surgidas em meio a um infantil bate-boca de uma primeira briga?

Quantas saudades da inocência, da falta de malícia, das juras de teor utópico bem típico de quem não se dava conta das incertezas do futuro…!

Como não sofrer novamente ao lembrar da primeira espera em vão, da primeira saudade, da dor do primeiro desapontamento…? Como não esboçar um simples sorriso, ao lembrar do primeiro reatar da relação, do primeiro reencontro, das juras de eterno amor como se o eterno existisse?

Ah… Aqui e acolá ainda fecho os olhos e me ponho a saborear, mais e mais, aquele gostinho de um primeiro beijo. Aqui e acolá, cruzo os braços sobre o próprio tronco, abraçando a mim mesmo, e finjo ouvir o badalar de um coraçãozinho solitário tricotando com o meu.

Como é bom, às vezes, não viver sob o domínio de determinados conhecimentos…! Como é bom não sentir determinadas necessidades… E como era bom nos sentirmos dominados pelos valores daquele adolescente que um dia nos habitou…!

Mas o passar dos anos os torna, apenas, distantes lembranças. Gostosas lembranças que resistem ao passar dos anos e continuarão a nos fazer sonhar até os últimos dias.

Silvio Cayua – Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará (Almece) – Cadeira 13

Texto vencedor do “I Prêmio Marina Mariano de Literatura – Categoria Prosa”, realizado pela Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil /AJEB-CE em caráter nacional, cujo resultado foi divulgado em 20 Nov 2018.

Receba novidades

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *