
Escorados na assertiva de que dois terços do globo terrestre eram compostos de água, sem levar em conta que apenas 2,5% daquela fração não continha sal e que, deles, dois terços estavam localizados nas geleiras e zonas glaciais, por negligência, irresponsabilidade ou por pura ignorância, a esmagadora maioria dos habitantes do planeta azul não havia levado a sério as orientações e alertas científicos necessários à preservação do precioso líquido.
Assim, por volta do ano 2.100, apesar dos esforços dispensados pelos órgãos internacionais, com vistas à preservação da vida na terra, o caos social se instalara e caminhava a passos largos em direção ao limite extremo.
Um imperceptível crescimento populacional que prenunciava uma não muito distante explosão demográfica, alastrava-se, silenciosamente, por todas as regiões do planeta, produzindo uma perigosa cifra de 7 bilhões de pessoas enfrentando uma impiedosa escassez de água e comida.
Logo passara a ecoar, em todos os recantos da terra, um desenfreado clamor por alimentos, que exigia a disponibilização de áreas cada vez maiores para plantar, que prescrevia o desmatamento para tornar as terras disponíveis, que terminava viabilizando a eliminação das matas ciliares, provocando erosão às margens dos rios e igarapés, levando-os ao gradativo extermínio, quer através de simples evaporação, desbarrancamento ou da danosa poluição das fontes naturais e cursos d’água, criando as condições ideais para a proliferação de imensos desertos e devolvendo à sociedade existente a própria sede e a própria fome.
Contribuía com essa escalada destrutiva um já não tão bem disfarçado relaxamento relacionado às questões ambientais, criado e movido por interesses individuais e imediatistas, viabilizando a instalação de um aparentemente irreversível processo de comprometimento da crosta terrestre, que reagia, impiedosamente, através de chuvas torrenciais, enchentes, furacões, tornados, terremotos, tsunamis e as mais variadas epidemias de origens ambientais.
Concomitantemente, mesmo que sem auferir a devida atenção, ressonava um alarido acerca dos danos que há muito se causavam à velha e conveniente camada de ozônio, através da emissão de gases tóxicos em larga escala, em nome da pesada industrialização, permitindo uma incidência cada vez mais agressiva dos raios solares sobre a superfície da terra, aumentando a temperatura global, alterando todo o círculo de climas regionais e provocando um derretimento em larga escala das velhas geleiras – bem longe dos olhos da grande massa popular. Ocorria, assim, a elevação dos níveis dos oceanos, dos rios e dos igarapés, a extinção de espécies animais e vegetais da Amazônia ao Ártico, que já significava o início do processo de destruição das grandes reservas florestais do planeta, bem como a expulsão de pessoas das suas casas, expondo-as às mais variadas formas de carências e descarregando-as às margens da sociedade.
O mundo estava entregue, finalmente, aos rigores de uma natureza inconformada, que acenava com catástrofes naturais – principalmente as surpreendentes enchentes e as cruéis secas – e com os arrasadores fenômenos naturais extremos, gerando um número de refugiados do clima indiscutivelmente superior ao resultante de todas as guerras de que se tinham notícia, até então.
Nos primórdios da problemática, os países ditos industrializados – os mais ricos, que monopolizavam a civilização mundial, por sinal, e não por acaso, os maiores contribuintes da catástrofe que se anunciava – até teriam chegado a sinalizar com uma intenção de investimento nos países mais pobres, para viabilizar-lhes o acesso à água. Mas com o passar dos anos, no descaso haviam mergulhado, alegando que a corrupção que imperava nas respectivas áreas, inviabilizava a consecução de tais objetivos.
O resultado de tudo isso e de outras ocorrências similares fora a geração de um número cada vez maior de pessoas morrendo de fome, sede e das mais variadas doenças que, num dado instante social, já haviam sido erradicadas. Era, pois, o silencioso início de um processo natural de redução populacional – a natureza, por si só, fazendo um serviço que o ser humano não fora capaz de fazer.
Mas, apesar da diversidade de fenômenos naturais que, de uma forma ou de outra, ceifavam grandes quantidades de vida, a água jamais saíra do foco principal das atenções, pois dela dependia a solução de grande parte dos demais fatores determinantes do desequilíbrio que se alastrava, bem como da própria sobrevivência dos indivíduos e sociedades mais poderosas.
Neste fértil terreno, pois, plantaram-se as saudáveis sementes de um devastador movimento internacional que viria a ser conhecido mundialmente como “a guerra pela água”, depois de muito bem caracterizada uma explosão demográfica mundial com um percentual elevadíssimo de pessoas submetidas à falta de condições mínimas de sobrevivência. Chegara a hora, enfim, de os mais fortes buscarem a prevalência sobre os mais fracos e garantirem a sua própria existência, através da tomada do poder sobre a fonte maior de vida: a água.
Reservando para si mesmos as riquezas geradas a partir de outras fontes, escusando-se de disponibilizá-las às demais comunidades internacionais carentes e protegendo-se à sombra de uma insolente bandeira que pregava ser a água patrimônio internacional por estar relacionada à preservação da vida, o bloco político-financeiro denominado Grupo dos Dez, com apoio de uma entidade internacional criada e liderada por compatriotas seus, decidira assumir as rédeas administrativas de todas as reservas de água doce espalhadas pelo mundo, mesmo que necessário fosse lançar mão de meios bélicos. Alegavam, no intuito de justificar tal decisão, que além do esgotamento das reservas da preciosa riqueza em muitos quadrantes do planeta, observava-se que a alegada má socialização da água nesses países – que detinham as reservas de então – estava ligada a gestões deficientes, à falta de instituições administrativas adequadas, aos empecilhos burocráticos que emperravam o processo de distribuição mundial: a inércia burocrática e o despreparo de capacidades humanas para compensar tais deficiências. E que essas deficiências impunham uma má qualidade de vida nos outros povos – ou pela falta, ou pelo comprometimento da qualidade da água que chegava em tais países – gerando problemas de saúde pública. Daí a necessidade da intervenção, em nome da sobrevivência da sociedade mundial.
Era a insultuosa decretação do fim da autonomia administrativa de muitos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que já enfrentavam as suas próprias dificuldades – sem terem sido beneficiados pelo capital financeiro internacional – e tinham, nas fontes hídricas, o único meio de promover o próprio desenvolvimento, como haviam feito os antigos impérios do petróleo.
Estava decretada, assim, a mais cruel catástrofe universal não-natural de que se tivera notícia, desde que o homem se fizera capaz de manipular o fogo. Processo destrutivo tão feroz e contundente que, em torno de 3 anos, transformara os antigos problemas ambientais em fatos desprezíveis, riscara do mapa mundial inúmeras concentrações populacionais – ora destruindo-as, ora fragmentando-as – e delas dando origem aos velhos povoados de que se tinham notícia apenas através da História e, a pior das consequências: a antecipação dos danos ambientais tão temidos.
Estava, pois, a população mundial reduzida a um confuso número bem aquém de um bilhão de habitantes.
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