Marcas do que eu fui deixei gravadas pelos caminhos que percorri.
Vestígios descarregados ou propositadamente assinalados, por lá, foram deixados. Nódoas sutis, caprichosamente geradas, com o propósito de viabilizar a recuperação de cada capítulo de uma história que cuidadosamente construí.
Sinais aqui deixei de um inquieto moço-velho, louco para a vida dos adultos desvendar. Depois, de um velho-moço arrependido, procurando uma saída para ao mundo das crianças retornar.
Sangue do meu próprio sangue, conduzido por meus descendentes, segue em frente, misturado a essa gente.
No meu primitivo chão, ainda se podem notar indícios de um tanto prematuro quanto vacilante caminhar. Passadas curtas, hesitantes, moderadas… Amontoadas, como quem não sabia aonde ir. Depois, largas, decididas, como quem acabara de se orientar. Finalmente, um único par… Traumatizante momento que ninguém quer ver chegar.
Curioso, mas a lama da minha estrada pelo meu próprio suor já foi regada. Por lá ficaram indevidas pegadas – o contrapeso do meu legado. Por um olfato muito bem qualificado, o meu próprio odor pode, ali, ser captado.
Discursos que proferi e até monólogos que degluti, contidos, estão nas poucas obras que redigi. Falam eles de lembranças, de heranças… De dores e de amores. …De decepção e de perdão.
Nada do que vivi, nada do que senti deixei de fora do que escrevi.
Risos semicontidos vagam sem rumo por esse imenso além. Amargos resmungos, com um quê de quem não está feliz, também.
Vestígios indecifráveis também foram, matreiramente, nelas deixados – astuciosa tentativa de fazer referência a tudo o que não devia ser contado. Estranhas particularidades difíceis de entender; loucuras que perpassam na cabeça de cada ser… Coisas com que a gente tanto sonha, mas acaba morrendo sem coragem de fazer.
Eis os murais que embelezei…! Também as minhas marcas neles deixei. Flores de maracujás, hibiscos variados, cactos diversificados… Serenas beiras de rio, singelas palafitas e ninfetas de perfil.
Marcas do que fui: minimizem o meu fim!
Digam às musas de aquarela que não se esqueçam de mim…!
Silvio Cayua
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