Da janela da minha vida (texto premiado)

por jan 17, 2022


É manhã de mais um dia agitado, e estou sentado sobre o parapeito da janela da minha vida. Hoje acordei com a vista meio embaçada – talvez em consequência do desgaste natural dos meus olhos, diante do tempo percorrido.  Estou lutando para acompanhar a minha própria silhueta que vai sumindo entre as ruas deste ofuscado cenário. Um incontrolável cansaço toma conta de mim. Semicerro os velhos olhos e me vejo apenas como mais um transeunte que caminha no meio da multidão. Um viandante a mais entre tantos que se acotovelam à procura de um melhor ângulo para observar as lindas curvas da mulher que passa ou para vislumbrar a imponência estética das belas fachadas dos prédios que ornamentam as ruas. No empurra-empurra dessa jornada, eu vou tentando fugir da asfixia causada pelo cerco de pessoas que parecem surrupiar a auréola de um nada que me cerca. De um nada que se sabe ausente, mas que parece estar sempre presente – bem aos pés dos meus ouvidos a cobrar o seu espaço.
Nos pequenos momentos de lucidez, lembro-me de que, para a real felicidade, a gente pode precisar apenas de um certo nada – só de um vazio para relaxar. Deitar-se, mesmo no chão, olhar para as nuvens ou para as estrelas e sonhar estar entre elas em total deleite. Apagar um pouco para esta vida sem vida.
É assim que me faço levar nesse estranho caminhar. Virei, ao longo dessa jornada, uma nau sem leme, sem vela, sem timão. Já nem posso retornar… Parar, nem pensar! Virar à direita ou à esquerda, também não. Uma simples hesitação e, à frente, sou lançado qual uma vítima de tropeço. Tornei-me simples instrumento de uma vida que eu mesmo construí – ou de uma outra que simplesmente me inseriu no seu contexto. Sigo em frente sem saber aonde vou chegar. Sem rumo definido, também não consigo saber quando terminará o percorrer desta estranha e sinuosa trilha. Sinto saudades dos velhos tempos em que, qual um menino travesso, sonhava acordado, esfolheando o rico livro que confundia o meu futuro, à procura do melhor azimute para arremessar a minha flecha mágica. A magia se foi e, na verdade, tornei-me a própria flecha desgovernada. Apenas saudades ficaram. Neste voo alucinado, preciso vencer a todos os obstáculos que surjam à minha frente. Aprendo o desconhecido e reaprendo o conhecido… Esta é a lei a mim imposta. Retiro de uma velha sacola, pendurada aos meus ombros, sabedoria para tudo solucionar – muitas vezes sem um tempinho sequer para pensar. Se concluir que errei, pago o preço e já me preparo para o próximo embaraço que, certamente, virá. São assim os meus dias: embaraços e mais embaraços. Parece que o meu espelho se quebrou, pois nem mais me vejo; ou, simplesmente, não me reconheço.
O certo é que já estou começando a viver o clima de final de festa. A melodia desta minha orquestra, outrora contagiante, já não produz, em mim, o mesmo efeito. Tudo ficou sem graça. Sinto-me um filho preterido pela mãe desatenciosa…. Um sensível artista que já sabe que – talvez – só será reconhecido depois que a morte o levar. A criança obediente que – também, talvez – só será acariciada depois de machucada. Um herói que morrerá de sede e fome.
Melhor fechar e sair desta janela. Afinal, o que os olhos não veem o coração não sente – alguém sabiamente já o disse. Assim agindo, as migalhas de satisfação e mesmo as falsas e diminutas alegrias, talvez consigam quebrar os tons em preto e branco destes amargos dias.

Texto publicado no nosso primeiro livro, intitulado “Pelos Caminhos da Memória”.

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