Aprendi a amar o mundo com a inocência dos despretensiosos. Aprendi a amar o sol, de tanto observá-lo, em sua caminhada diária, até se deixar devorar pela linha do horizonte. Bem cedo descobri quão agradável é um relaxante espreguiçar à luz de um sol nascente… Inúmeras foram as vezes em que me flagrei sonhando acordado nos braços de um sol poente.
Aprendi a amar a lua – prateada, ofuscada, reduzida ou disfarçada…Mesmo quando, em plena claridade, ela se me apresentava esbranquiçada e com aspecto de desprezada, esquecida, abandonada.
Lá pelos idos dos meus tempos de criança, aprendi a vadiar nas asas dos ventos, das chuvas e dos temporais, mesmo morrendo de medo de raios e trovões. Perdi a conta das oportunidades em que me detive ante um casal de pássaros que se acariciavam e se aqueciam, após a passagem de uma tempestade. Fizeram-me acreditar que quem localizasse, com exatidão, os pontos em que as extremidades de um arco-íris tocassem o chão, encontraria dois potes de moedas de ouro. Só que envelheci e não consigo recordar o nome de alguém que tenha enriquecido sob tais circunstâncias.
Imagine só: para afugentar o tempo nublado, eu desenhava um sol aos meus pés e me punha a assobiar para invocar os ventos fortes. Era assim que buscava empinar os meus papagaios de papel. Jamais me esqueci das noites em que me fizeram cedo dormir, com medo de *mapinguari.
Assim por acaso, ou simples intuição, descobri a incrível agradabilidade de um repouso num tapete de grama à sombra de uma árvore. Deve ter sido, nessa mesma época, que me ensinaram a colher apenas a quantidade de frutos de que necessitava para matar a minha fome.
Qual um velho pensador, aprendi a contemplar o espaço sideral, a arquitetar as minhas próprias naves e sair a vadiar feito um menino travesso, à procura de estrelas cadentes que me deixassem, no seu riscar, sabedoria para encontrar soluções para os problemas correntes.
Do inevitável convívio com os mais variados tipos de carência, extraí sabedoria para assumir o trono das almas sofridas, para perceber os porquês dos seus ais, e, assim, valorizar a necessidade de socorrê-las. Com estes olhos repuxados que a vida me deu, aprendi a admirar, a reproduzir e até mesmo a evidenciar a beleza cromática de uma simples folha silvestre, de uma diminuta flor rasteira ignorada pelos transeuntes… A conferir leveza a um velho, rude e desgastado tronco de árvore. Com esses lábios, que tanto tremularam aos impulsos de uma antiga e inconveniente timidez, aprendi a sorrir das presepadas da minha própria vida – dessas situações hilariantes em que, inexplicavelmente, a gente se mete de vez em quando.
Às duras penas, aprendi a dizer não a determinados anseios que brotam do meu próprio coração. Aprendi a fingir que não percebi determinadas injúrias para não alimentar controvérsias, não tornar as coisas piores – e não correr o risco de passar de vítima a agressor.
Foi chorando sozinho as minhas derrotas no canto escuro do meu anonimato, que descobri o real valor de um ombro amigo. Lamentando inaceitáveis partidas, aprendi que um simples nada, ou quase isso, muitas vezes é tudo de que necessitamos. E que o muito que possamos ter poderá tornar-se um grande nada num tempo equiparado à duração de um singelo estalar de dedos. Foi assim que me veio a conscientização da efemeridade do nosso existir – velho parceiro de uma morte implacável e frequentemente traiçoeira.
Aprendi a enxergar no escuro… A saltitar sobre as brasas da vida, para não ter que estacionar ou baixar a cabeça. Aprendi que minorar o valor daquele que, eventualmente, me tenha vencido é diminuir-me ainda mais. Aplaudir o vitorioso é conferir brilho à minha derrota. Aprendi que as lágrimas que me jorram dos olhos conduzem para o centro da terra todos os males que me atinjam o coração.
Aprendi que tudo é cíclico, como bem o diz um velho amigo. Que a nossa existência é como a eterna agonia da maré: quando está em alta, todos os nossos sonhos e projetos são facilmente realizados. Quando em baixa, subtrai-nos o que não estiver muito bem sedimentado e torna a nossa vida pobre, pessimista e feia. Que o verdadeiro vencedor é aquele que sabe aproveitar os bons momentos e administrar, cautelosamente, os demais. Entendi que, assim como a inocência e a naturalidade dos meus primeiros anos, como as turbulências enfrentadas durante as minhas primeiras passadas em busca de um lugar entre os bem-aventurados, como o peso do fardo às minhas costas – constituído pelas obrigações a mim impostas -, isso tudo passará.
Hoje, ainda meio desconfiado, estou aprendendo a aceitar a dinâmica da vida. Vou tentando me convencer de que o milagre do nosso existir não passa de um grande sonho; e que um dia, aquele sol incansável que continua a passear sobre a minha cabeça, deixando-se tragar pela escuridão do anoitecer para aflorar na manhã seguinte, não mais brilhará para os meus olhos. Um dia, isso tudo chegará ao fim.
0 comentários