À procura de minha mãe

por jul 7, 2023

– Bom dia…! Só um pouquinho da sua atenção, por favor…. Aqui é o céu?

– Bom dia…!

Sim – Respondeu-me uma senhora de ares angelicais.

– É que estou chegando agora, meio confuso, nem sabia direito onde estava… Pensei até que havia perdido o rumo. Mas estou procurando por minha mãe. Pessoa muito amável, caridosa, estatura mediana, cabelos ondulados, negros de origem, mas esbranquiçados pelo tempo… Deve ter aspecto meio jovial, porque faleceu com idade bem abaixo da média, em decorrência de uma mazela disseminada no lugar onde vivíamos.

Você viu alguém com essa aparência por aqui?

– Não… Acho que não…!

– Mas ela veio para cá…! Uma pessoa de tão boa índole, que só praticou o bem, que sofreu tanto que até parecia expiar dívidas de vidas anteriores… Que criou os filhos praticamente sozinha e trabalhando em ofícios inadequados até para homens rudes… Uma mulher que tanto se desdobrou para garantir a sobrevivência até de quem nem estava sob a sua responsabilidade… Uma pessoa dessas, ao morrer, só poderia ter vindo aqui para o céu mesmo, não é?

– Sim, certamente! Mas estou convencida de que não a encontrei por aqui.

– Mas é fácil identificar uma pessoa tão boa no meio de tantas, talvez, nem tanto…! As marcas do sofrimento estavam estampadas no seu rosto, nos seus olhos, nas suas mãos, no semblante, no franzido na testa… Pessoas que tanto sofrem, acabam adquirindo esses traços na fisionomia.

– E o nome dela? Você lembra?

– Mas… Nome aqui? Pessoas boas não viram anjos quando morrem? E anjo tem nome, aqui no céu?

– Bem: de fato, normalmente os anjos não trazem para o céu os nomes que ostentam na vida terrena, salvo raríssimas exceções. Como sua mãe era tão especial, poderia ser uma dessas exceções, o que facilitaria a sua identificação.

– É… Eu não sabia disso. Minha mãe era de fácil identificação, mas se ajudar, o nome dela era Francisca.

– E por que toda esta aflição, se você já está aqui? Você foi contemplado com um assento no céu… Nem todas as almas, mesmo aparentemente boas, são premiadas com tão dignificante honraria.

– Na verdade, eu não fui contemplado… Eu abdiquei da vida terrena depois de tanto me decepcionar com as pessoas que me rodeavam, e fugi. Cansei de bater em portas que não se abriam, de parecer o que não era… Cansei dos desprezos de quem eu tanto prezava, cansei das traições, das falsidades… Cansei de agradecer por experiências que eu deveria esquecer, cansei de orar aos amanheceres para pedir forças para suplantar obstáculos intransponíveis que me surgiriam ao longo do dia, de reiterar as orações nos dias seguintes, agradecendo por prêmios que eu nem havia conquistado e me desculpar por crimes que eu nem havia cometido. Cansei de me sentir sozinho, mesmo tão rodeado de pessoas, cansei de me aquecer num velho travesseiro e tremer de frio madrugadas afora, cansei de apreciar sozinho a lua e as estrelas pelas frestas das paredes do meu quarto, cansei de contemplar pores de sol, acariciado apenas por uma brisa fortuita… Cansei de projetos altivos que de nada me serviriam, de tecer palavras doces para quem nem queria me ouvir, de fazer poesia para quem parecia nem possuir um coração.

Desencantado e cansado de tantas decepções com a vida, comecei a flertar com a evasão daquele mundo ingrato e a pedir para minha mãe voltar para me buscar.

Numa noite de sonho intenso ela reapareceu e me conduziu a um lugar magnífico como este, abraçou-me como nos velhos tempos, beijou-me o rosto como ninguém mais o fizera desde a sua partida, e prometeu voltar para me buscar o quanto antes. Só que o quanto antes nunca chegava, só que tantas noites já haviam passado, tantos dias, tantos meses, tantos anos e eu fui ficando, ficando… Cada vez mais desolado.

Não sei como tudo aconteceu, mas, de repente me veio este hoje em que eu simplesmente amanheci por aqui, achei que ela finalmente havia atendido às minhas orações, e comecei a procurar por ela. E é por isso que aqui estou à sua procura, ou do quanto dela restou.

– Deixe-me contar-lhe um dos maiores segredos do céu. Tudo o que os anjos adquirem na vida terrena, por lá mesmo é deixado quando retornam à casa do Pai, motivo pelo qual eles jamais retornam para nos buscar.                                                                                                                                                    Silvio Cayua

Texto publicado na Coletânea Literária em Prosa e Verso, da Academia Feminina de Letras do Ceará (AFELCE) em maio de 2023 – Edição comemorativa do 21º ano de Fundação da AFELSE – Editora sem Fronteiras – Rio de Janeiro – 2023.

Receba novidades

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *