O imigrante

por out 25, 2024

Óh, minha vida…!

Me fale, me diga,

me explique sorrindo

o que estou sentindo:

É prêmio ou castigo

estar resistindo

a tantas agruras

aqui no sertão?

Um dia cheguei –

mas não pra ficar.

De tudo o que vi,

surpreso fiquei,

comigo pensei

e me questionei:

por que me joguei

para as bandas de cá?

Nos primeiros dias,

sozinho, isolado –

qual um exilado –

andava, olhava,

me admirava

e me perguntava:

como é que essa gente,

com tanta carência

tinha resistência

e força na mente

pra seguir em frente,

se tanto sofria…?

O tempo passava,

eu permanecia.

Por aqui eu fui ficando,

fui vivendo, fui gostando,

fui até me acostumando…

Acabei foi transformando

tudo aquilo que eu sabia.

Pra me adaptar

me pus a indagar:

Eu vou resistir…?

O que vou fazer?

O que posso comer?

E o que devo beber…?

De tudo aprendi

do povo daqui…

E então meu destino

me fez nordestino.

Me fiz sertanejo

e hoje me vejo

falando rasteiro,

sotaque brejeiro,

dizendo “sordade”

ao invés de saudade…

Morando no campo –

– fugi da cidade…

E cantarolando

cantigas de dor,

vou sempre exaltando

o sertão sofredor.

Nas noites de lua

me ponho a cantar

antigas lembranças

de um outro lugar.

E o meu violão,

há muito comigo,

me dá uma canção

de um tempo perdido.

Com águas nos olhos,

de gozo ou de dor,

eu canto baixinho,

para disfarçar

as dores que brotam

desse meu cantar.

Na adaptação

pra sobreviver,

aprendi a lição:

que após uma seca

as chuvas virão.

Mas se não chover

faço uma oração

pra que eu não perca

a minha plantação.

Quando é invernada,

na minha varanda

me deito na rede.

Não sofro de sede,

o mato está verde…!

A boia é tanta

que o meu galo canta

e até a passarada

me faz revoada.

Vejo o descampado

mudando de cor.

O bege sumiu,

o verde chegou…!

As urzes mudando

e folhas criando…!

Olhando de lado

pro brejo alagado,

eu vejo meu gado

que ao sol resistiu

e no inverno emergiu.

E o sobrevivente

de todas as secas,

o mandacaru,

planta resistente

que olha pra gente

com ar imponente

qual gente do sul,

vai reflorescendo

um copo de leite –

o mais belo enfeite

com a força de quem

jamais se abateu…

E a todos dizendo

que sobreviveu.

O vento do norte

me traz às narinas

um cheiro de mato

que seco ficou,

que, a chuva, molhou,

que quase morreu…!

Contudo, venceu

a seca ferina.

Por tudo o que sinto,

que vivo e que vejo,

me veio o desejo

de não mais voltar

a perambular.

Se aqui não ficar,

aproveito o ensejo

pra a todos falar

que ser sertanejo

se fez meu desejo.

Quando a morte chegar,

daqui me arrancar

e me transportar

pra um outro lugar,

não quero tristeza –

ninguém a chorar

nem a comentar

o pouco que fiz.

Só quero que lembrem

de um cara feliz

que muito vagou,

mas aqui ficou

porque aqui encontrou

o que sempre buscou.

Silvio Cayua

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