Óh, minha vida…!
Me fale, me diga,
me explique sorrindo
o que estou sentindo:
É prêmio ou castigo
estar resistindo
a tantas agruras
aqui no sertão?
Um dia cheguei –
mas não pra ficar.
De tudo o que vi,
surpreso fiquei,
comigo pensei
e me questionei:
por que me joguei
para as bandas de cá?
Nos primeiros dias,
sozinho, isolado –
qual um exilado –
andava, olhava,
me admirava
e me perguntava:
como é que essa gente,
com tanta carência
tinha resistência
e força na mente
pra seguir em frente,
se tanto sofria…?
O tempo passava,
eu permanecia.
Por aqui eu fui ficando,
fui vivendo, fui gostando,
fui até me acostumando…
Acabei foi transformando
tudo aquilo que eu sabia.
Pra me adaptar
me pus a indagar:
Eu vou resistir…?
O que vou fazer?
O que posso comer?
E o que devo beber…?
De tudo aprendi
do povo daqui…
E então meu destino
me fez nordestino.
Me fiz sertanejo
e hoje me vejo
falando rasteiro,
sotaque brejeiro,
dizendo “sordade”
ao invés de saudade…
Morando no campo –
– fugi da cidade…
E cantarolando
cantigas de dor,
vou sempre exaltando
o sertão sofredor.
Nas noites de lua
me ponho a cantar
antigas lembranças
de um outro lugar.
E o meu violão,
há muito comigo,
me dá uma canção
de um tempo perdido.
Com águas nos olhos,
de gozo ou de dor,
eu canto baixinho,
para disfarçar
as dores que brotam
desse meu cantar.
Na adaptação
pra sobreviver,
aprendi a lição:
que após uma seca
as chuvas virão.
Mas se não chover
faço uma oração
pra que eu não perca
a minha plantação.
Quando é invernada,
na minha varanda
me deito na rede.
Não sofro de sede,
o mato está verde…!
A boia é tanta
que o meu galo canta
e até a passarada
me faz revoada.
Vejo o descampado
mudando de cor.
O bege sumiu,
o verde chegou…!
As urzes mudando
e folhas criando…!
Olhando de lado
pro brejo alagado,
eu vejo meu gado
que ao sol resistiu
e no inverno emergiu.
E o sobrevivente
de todas as secas,
o mandacaru,
planta resistente
que olha pra gente
com ar imponente
qual gente do sul,
vai reflorescendo
um copo de leite –
o mais belo enfeite
com a força de quem
jamais se abateu…
E a todos dizendo
que sobreviveu.
O vento do norte
me traz às narinas
um cheiro de mato
que seco ficou,
que, a chuva, molhou,
que quase morreu…!
Contudo, venceu
a seca ferina.
Por tudo o que sinto,
que vivo e que vejo,
me veio o desejo
de não mais voltar
a perambular.
Se aqui não ficar,
aproveito o ensejo
pra a todos falar
que ser sertanejo
se fez meu desejo.
Quando a morte chegar,
daqui me arrancar
e me transportar
pra um outro lugar,
não quero tristeza –
ninguém a chorar
nem a comentar
o pouco que fiz.
Só quero que lembrem
de um cara feliz
que muito vagou,
mas aqui ficou
porque aqui encontrou
o que sempre buscou.
Silvio Cayua
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