Quero sorrir – Um texto premiado

por dez 7, 2023

Quero sorrir ao amanhecer, ao meio-dia, ao entardecer, ao anoitecer… E no dia seguinte, acordar com aquela cara de quem ainda falta muito para amadurecer;

Quero sorrir, chorar de felicidade e não deixar uma gota de lágrima sequer para a tristeza, ou para saudade;

Quero sorrir do brilho de contentamento luzindo nos olhos de alguém a quem eu venha a dizer “eu te amo”;

Quero aprender a sorrir dos perigos da vida, para não perder a vontade ver o mundo pelos olhos da violeta ambiciosa de Khalil Gibran;

Quero aprender a sorrir mais vezes para as pessoas que gostam de mim, ao invés de induzi-las a se retrair e a sufocar algo que pode ser tudo o que eu mais gostaria de ouvir;

Quero sorrir todo dia daquelas mentiras travestidas de verdades absolutas que andaram me contando desde os tempos de criança;

Quero sorrir dos falsos sorrisos, dos falsos elogios, das falsas promessas, dos falsos amigos… Dos falsos aliados – mesmo que detentores de referências inusitadas e até de vínculos consanguíneos;

Quero sorrir das supostas amarras…Dessas besteiras que a gente põe na mente e que, movidas por valores que nem se sabe de onde vem, vão se enraizando na gente;

Quero me livrar desses grilhões que sob os ombros me colocaram, jogá-los no lixo e sorrir de mim mesmo por ter acreditado em contos de fadas;

Quero sorrir do naufrágio dessa filosofia de resultados que andaram me ensinando… Do orgulho temporário que ela me deu até que o novo à minha porta bateu. Ainda sorrindo, quero ter coragem de olhar para o espelho e dizer, em nome da própria sobrevivência, que vou reaprender, que as coisas diferentes vou absorver e a todos surpreender! Quero dar de ombros e sorrir desse jeito politicamente correto que a sociedade me levou a adotar;

Quero aprender a me lixar para quem achar que eu enlouqueci, e morrer de rir dessas críticas destrutivas que tanto me chegam aos ouvidos;  

Quero sorrir num certo dia, erguer a fronte e dizer no outro, com a maior das alegrias, que realmente vivi! Dizer que ganhei, que perdi, que sofri, mas que muito aprendi e que de nada disso eu me arrependi;

Quero sorrir do ciúme dos incomodados, da inveja dos incompetentes, das ofensas dos invejosos, da vingança dos pobres de espírito e da covardia dos ditos valentes;

Quero sorrir, mesmo com poucos amigos ao lado, com os raríssimos aliados… Com aqueles que estiverem comigo por conta do que eu sou e não pelo que eu lhes possa oferecer;

Quero sorrir da minha sombra, toda desengonçada, caminhando à minha frente quando eu der as costas a um sol poente. Quero dela gargalhar ao meio-dia novamente, esquivando-se das minhas pegadas e, de novo ao entardecer, arrastando-se ao meu encalço toda espichada;

Quero sorrir dos próprios erros e não enxergar nenhum demérito nisso… Quero contabilizá-los com a maior naturalidade e me sentir muito à vontade para dizer que, infelizmente, eles farão parte da minha vida até o último suspiro;

Quero sorrir cada vez mais, ante as vitórias conquistadas sob os olhares incrédulos dos que em mim não acreditaram e fortalecer a minha crença de que, assim procedendo, parecerei bem maior do que realmente sou;

Quero sorrir dos momentos difíceis que, de vez em quando, sentam-se à minha mesa, tendo a maior certeza de que eles, assim como muitos já superados, não irão além de momentos difíceis;

Quero sorrir rodopiando em torno do fogo, mesmo correndo riscos de queimar essas pequenas e frágeis asas de besouro que a natureza me deu; 

Quero aprender a sorrir dessa timidez desgraçada que ao passar de tantos anos em mim sobreviveu… Desse medo de perder um quase nada arriscando ganhar tudo…! Dessa preocupação boba com a possibilidade de comprometer a porcaria de uma boa imagem que dizem que eu possuo;

Quero sorrir das caras de desapontamento dos que as costas me ousaram virar… Dos que não me viram passar, dos que não quiseram me ouvir pelos seus nomes chamar… Dos que fizeram de conta que não me viram, desolado, chorar; 

Quero me esbaldar de felicidade ante a alegria dos que superaram os seus obstáculos com a minha ajuda;

Quero sorrir da proibição de errar, do impedimento de as pessoas desapontar, de algumas delas decepcionar e de os bons costumes violar, mas, de tudo o que a vida ainda tiver de bom para mim, aproveitar;

Quero, sorrindo, o verbo modernizar aprender a conjugar, esquecendo-me do desmoralizar, do ridicularizar… Quero, a opinião alheia, aprender a ignorar… Quero, para aquele meu jeito sem graça nas fotografias, simplesmente nem ligar;

E quando eu não encontrar mais nenhum motivo sério para sorrir, quero que a vida me ensine a sorrir das bobagens que protagonizei ao longo do meu existir e das presepadas em que me meti…. Aí eu morrerei em paz sorrindo dos que não conseguiram, ou que não quiseram os ouvidos me emprestar.

                                                                         Silvio Cayua

– Menção Honrosa no Prêmio Afelce (Academia Feminina de Letras do Ceará) – 2023                                      

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