Romance Limite Extremo – Fragmentos.

por nov 28, 2023

Num dia desses qualquer, preocupado com nossa atual forma de viver e com os árduos recados que a natureza nos está enviando, fechei os olhos, mergulhei no meu próprio coração e sonhei com uma história de amor, sob as condições que um dia reinarão na face da terra, segundo a minha imaginação.

O que é o nosso hoje? Um tempo, simplesmente, que está passando e que vai morrer à meia-noite…? Ou só um período entre o ontem e o amanhã…? Será que não poderia ser uma extensão real de épocas passadas, existindo simultaneamente com elas e permitindo que seres originários de lá, de um modo qualquer, se transferissem para cá? Já parou para pensar numa loucura dessas…?

Estava decretada, assim, a mais cruel catástrofe universal não-natural de que se tivera notícia, desde que o homem se fizera capaz de manipular o fogo.  Processo destrutivo tão feroz e contundente que, em torno de 3 anos, transformara os antigos problemas ambientais em fatos desprezíveis, riscara do mapa mundial inúmeras concentrações populacionais – ora destruindo-as, ora fragmentando-as – e delas dando origem aos velhos povoados de que se tinham notícia apenas através da História e, a pior das consequências: a antecipação dos danos ambientais tão temidos.

Estava, pois, a população mundial reduzida a um confuso número bem aquém de um bilhão de habitantes.

Lá fora, uma taciturnidade só. O sol, embora entranhado nas profundezas do éter, acariciava, de forma traiçoeira, tudo o que sob os seus pés estivesse. Um vento melancólico, talvez dele se esquivando, fluía entre as folhagens, cantando uma canção de tristeza, como a lamentar os efeitos nefastos decorrentes daquela paz aparente.

Mãos na borda, um passo à frente e…  Com a calma de quem sonha com um sonho de paz, num sono profundo mergulhara, sumindo entre as desfocadas folhagens, sob o testemunho do pequeno e inconsequente riacho e das delgadas libélulas que beliscavam a crespidão daquelas águas dançantes. Nada mais que isso restara.

Aquela sombra teimosa, finalmente, trocara de posição. Depois de abrir-lhe o caminho, passara a ocultar-se sob os seus pés. Agora o seguia feito um anjo da guarda. Ou, talvez, um obstinado predador que cultuava a paciência, à espera do momento de lançar o golpe final.

Um imenso vazio que passeava dentro de si induzia-o a concluir-se um homem sem memórias. Desprovido de um passado, que parecia ter sido substituído por um imenso nada, sentia-se um recém-chegado ao próprio presente. Perdera a própria identidade – notara. 

A água, portanto, tornara-se literalmente escassa, desencadeando uma série de adaptações para a manutenção da vida, mesmo que de forma precária.

Pensativo, entre sombras e lembranças, estendera-se sobre a velha cama rangente. Naquela noite, não mais apenas as estrelas do firmamento, observáveis pelas frestas da cobertura, buscava visualizar. Recriava, além dos orifícios iluminados pela luz da lua, as novas imagens que havia guardado. Um esboço de sorriso trafegava, discretamente, pelos cantos da boca.

Em casa, Jacques continuara apreensivo, reflexivo…A falta de um simples alguém com quem pudesse trocar ideias, machucava-o fortemente. Fechava os olhos e transportava-se para o lado de Sarita. Como gostaria de tê-la, naquele momento…! Como gostaria de sentir o seu cheiro, o seu calor…!

Um silêncio profundo passeava de um canto a outro do ambiente. Ali se via um doce presente digladiando-se com um cruel e estranho passado, e anunciando a escuridão de um incógnito futuro.

Da extinta sociedade do papel, parcos indícios haviam sobrevivido na sua memória. Na verdade, tudo o que restara era uma simplória desconfiança acerca de um obscuro passado que se mantinha inacessível à sua mente, o que fazia de si uma espécie de estranho no ninho.

Ao seu lado, semicoberta por um transparente lençol mal arrumado que lhe expunha as partes íntimas do corpo, Sarita ressonava com a serenidade das inesquecíveis deusas de um mundo antigo, cujas histórias quase já não se ouviam mais falar.

Era madrugada… Silenciosa madrugada, contemplada por um par de olhos recém-despertados, mas carimbados pelos já indisfarçáveis matizes da ansiedade. 

Lá em cima, uma imensidão arqueada de um céu azul ultramar debruçando-se sobre o mundo, esticando as longas pernas por detrás das elevações e soltando os braços muito além do horizonte oposto.

Vendo-o deitado de lado, com a parte frontal do corpo voltada para a parede da gruta, decidira movê-lo para que de frente para ela ficasse.

– A porta…! Fora a última mensagem articulada, antes de ceder à força que ela lhe aplicara.

Aterrorizara-se, então, como os olhos murchos e desprovidos de foco que lhe passaram à frente da vista, quando sua cabeça descambara para o lado oposto, bem como da gelidez daquelas mãos fortes que tantas vezes a acariciaram.

– Vá com Deus, meu amado! Faça o seu próprio destino…! Foram as derradeiras palavras àquele que, saído aparentemente do nada, tanto colorira seus amarelados dias.

E dirigira-se ao encontro da desolada amiga – afetuosa herança deixada pelo amigo. O sol já se fora, e o reinado da noite era pleno, quando lhe estendera as mãos e a aconchegara ao peito, removendo-lhe as lágrimas que lhe caíam dos olhos, num gesto típico de um pai que tenta consolar um filho magoado.

Cem anos depois, totalmente desprovidos dos indícios da presença humana na área, os sertões do Jari eram uma região inóspita – sem história, sem memórias e sem qualquer perspectiva de exploração.

E, ali, o silêncio fincou os esteios da sua futura morada, instalou o seu trono e deitou-se num berço esplêndido como se quisesse, por ali mesmo, permanecer para todo o sempre. 

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