Acostumara-se a ser bela. E assim sendo, eternamente cortejada pelos homens que a rodeavam. Aquela degradação estética que o avançar da idade pouco a pouco lhe impusera, bradava o fim do seu império e a consequente perda do eterno assédio que alimentara a sua vaidade.
Profundamente abatido, tornara-se em pouco tempo o retrato fiel de uma rosa murcha. A vida ficara sem graça finalmente, e a vontade de viver e lutar pelo que fora definido como seus ideais parecia dele distanciar-se cada vez mais.
Apenas vultos indecifráveis haviam sobrevivido à sua debilitada mente. Taiá, Sayonara… E até mesmo Bambuí… Por onde andariam? Desolado, permanecia sem respostas. E a deusa Tabajara? Esta voltara a habitar apenas os seus sonhos. Sempre sozinho, perambulava sem rumo pelas ruas de Trapiá.
Quando, tarde da noite, cansado de caminhar em vão, retornava para casa e, de olhos abertos, punha-se a esperar pela aurora para iniciar um novo dia de andanças sem rumo certo e sob as mesmas leis que regiam a vida que lhe restara.
Convencera-se de que, mesmo afastadas uma da outra, suas almas evoluiriam em decorrência das nobres opções adotadas, como se estivessem pagando dívidas remanescentes de vidas anteriores.
Desconsertado como na infância, Caiuá fugira da sua amada como um humilde cão perseguido pelos lobos.
Coração apertado, sabia, exatamente, quem à sua frente estivera, exatamente o que fora ali fazer e por que, sem nada dizer, partira. Sentira-se invadida, naqueles poucos minutos, pelo mesmo aperto no coração que quase a sufocara certa vez e que a teria levado a fingir ignorá-lo, imaginando dele poder livrar-se para sempre.
Encontrara entre as ruínas de seu peito, antigas teorias provenientes de Caiuá que tantas vezes haviam-na confortado e que, também naquele momento servir-lhe-iam de anestésicos a anularem os danosos efeitos daquele rápido reencontro. Se ali estivera era porque dela não se desligara, e a história daquela ligação mantinha-se bem viva.
Um dia a carne morreria, conscientizava-se. Mas a ideia, mesmo à morte sobreviveria. Tal conclusão devolvera-lhe a tranquilidade de há pouco, perdida.
À espera, em paz, continuaria qual uma frondosa e gigantesca árvore a resistir aos incêndios e às tempestades, enquanto sonha com o eterno florescer.
Cada corrente que lhe passava era como se um pedaço de si com ela levasse e, pela janela, ao espaço e aos ventos lançasse. Via sua imagem esvaindo-se no ar como uma fumaça e nele se dissipando até perder a forma humana.
Fora-se Caiuá para a vida eterna, onde pacientemente aguardaria pelo inevitável encontro que um dia teria com a sua eterna amada. Livrara-se, finalmente, do ilusório sonho de felicidade que a vida material havia-lhe anunciado. Sua alma, finalmente liberta das rédeas de uma existência que tanto a sufocara, dançava aos ventos com ares de vitória e grandeza.
A chegada da tarde trouxera o suave lamento de uma acanhada e permanente chuva que, com ares de tristeza, parecia lamentar as circunstâncias em que as dores da vida se fazem sentir em cada alma a caminho da perfeição…
Silvio Cayua
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